Quarta capa do romance “Não sei dizer o que digo”, de Anderson Lacerda
Ricardo Alfaya
“Não sei dizer o que digo”, de Anderson Lacerda, começa de um modo que recorda o parto exótico ocorrido na abertura de “Macunaíma”, de Mário de Andrade. A partir desse episódio, fundamental para o rumo da história, Anderson recorre à técnica do registro do fluxo do pensamento. Assim, cumpre a proposta de “investigação do eu”, forma pela qual o ficcionista e crítico literário tcheco Milan Kundera define a finalidade de um romance.
Por meio de um ousado e desconcertante monólogo, o autor vai construindo sua brasileiríssima personagem, ao mesmo tempo em que desconstrói (Derrida) a falácia de muitos discursos, “da hora”, que circulam por aí.
Por outro lado, essa protagonista é uma personagem tão viva, tão “de carne e osso”, tão intensa, atual, verdadeira e surpreendente que, durante o processo de revisão desta obra, sonhei com ela. Do ponto de vista físico, surgiu-me exatamente conforme a imaginara, a partir das rápidas, porém precisas, pinceladas do autor. E, bem ao estilo dela, chega invadindo meu sonho e vai logo assumindo a direção da narrativa, “botando pra quebrar”. Sendo que o sonho dizia respeito a uma reunião familiar (contexto preferido da personagem) em que se decidia… já não me lembro o quê. Sei que faço revisão profissional desde 2007 e, até hoje, simplesmente nunca havia sonhado com uma personagem de um livro em que estivesse trabalhando.
Ricardo Alfaya: escritor, revisor e crítico literário, do Rio de Janeiro.